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SAE Aerodesign 2014






            Aconteceu do dia 30 de outubro ao 2 de novembro de 2014 a 16ª edição da competição SAE Aerodesign Brasil, no Aeroporto de São José dos Campos. Este se baseia basicamente em projetar e construir um avião que carregue o maior peso possível dentro de certas limitações. Antes que você se anime devo lhe dizer que o Aerodesign não é aberto para todos participarem, é restrito a estudantes de engenharia (relacionada à mobilidade). E não tenha dúvida que é uma competição de engenharia, não de aeromodelismo, usar um aeromodelo é somente o meio mais seguro e barato para se realizar uma competição de aeronaves.

            Participei pela equipe EESC-USP Bravo, da Escola de Engenharia de São Carlos, pertencente à USP. Ao todo 95 equipes estiveram presentes, cada uma com no máximo 15 integrantes. Sendo oito equipes de outros países como: Peru, Venezuela, México e Polônia.

            Minha abordagem nesta matéria será muito diferente de qualquer reportagem sobre o evento que você já tenha visto, meu foco será os bastidores, ou seja, coisas que você somente teria conhecimento caso participasse da competição, o que sei que não é possível para todos. Todos os dados referentes ao regulamento são válidos para esta edição, visto que todo ano o regulamento é mudado.

            Tudo começa muito antes em outubro, em meados de março, quando o regulamento é divulgado e a equipe começa a desenvolver o projeto. Basicamente são quatro meses de cálculos e mais cálculos. Um relatório deveria ser entregue até julho para a comissão organizadora, o que valida a inscrição da equipe na competição e já conta pontos.

Apresentação oral do projeto

            A comissão também oferece alguns pontos extras para as equipes que enviam um vídeo de voo completo do avião, ou seja, decolagem, voo e pouso sem nenhuma edição.

            Há três categorias, as classes: micro, regular e advanced.

            A Micro, como o próprio nome diz, possui aviões menores (aproximadamente 1,2m de envergadura) e necessariamente elétricos, o objetivo era decolar com 40 bolas de tênis. A única restrição de tamanho é que o avião deve ser transportado em uma caixa de no máximo 0,175m³.


Caixa para transporte categoria Micro

            A Advanced deve conter vários equipamentos de telemetria embarcados, o tipo de motor é livre e não há limite de potência. Possuem aproximadamente 2,3 metros de envergadura e o limite de tamanho é o peso, que não deverá exceder 3Kg quando sem carga.

            A Regular - categoria que participei e posso explicar com mais detalhes – utiliza motores à combustão pré-definidos pelo regulamento (OS .55 AX, OS .55AX BE, OS .61 FX, Magnum .61 ou K&F .61). Sua limitação de tamanho é dada pela área da vista em planta (olhando por cima), e não deve ser maior que 0,775m². Não pode conter nenhum dispositivo eletrônico para estabilizar o avião, como giro, estabilidade deve ser um requisito do projeto.







            Algumas regras valem para todas as categorias, como:

- 61 metros é a distância máxima de decolagem;
- Caso pouse em até 122m a equipe recebe bonificação;
- É proibido o uso de bateria de LIPO, inclusive para elétricos;
- Antes de cada voo é feita uma inspeção de segurança completa no avião;
- O combustível é fornecido pelo evento e somente é abastecido antes do voo, e logo após o pouso já é desabastecido;


Juiz que validava a decolagem


            Nosso grupo, EESC-USP, possui três equipes: a Alpha (classe regular), a Bravo (classe regular) e a Mike (classe micro). A equipe bravo é composta somente de bixos (calouros do Aerodesign), que após um ano podem “subir” para as equipes principais.

            Essa semana de competição me provou que dormir não é tão primordial para ficar acordado, realmente nunca dormi tão pouco durante tantos dias na minha vida, foram em média duas horas de sono por noite. Você não leu errado, só isso mesmo, e durante os cinco dias de preparativos e competição.

            Os preparativos para viagem começaram na noite de terça-feira e se estenderam pela madrugada de quarta-feira, quando toda a equipe parou as construções e iniciou o “encaixotamento da oficina”, ou seja, todas as ferramentas da equipe foram colocadas em caixas de madeiras para a viagem. Os aviões e as asas foram embalados com plástico bolha para o transporte.

            Quarta de manhã o caminhão e o ônibus chegaram, respectivamente para transportar os equipamentos e a equipe. Após quase seis horas de viagem chegamos à chácara que a equipe se hospeda há anos. E o trabalho só havia começado, o caminhão ficava na rua, e até chegar à casa havia um caminho totalmente escuro de 60m. Subíamos com caixas de madeira em uma mão e lanterna na outra. Esse transporte de equipamentos foi repetido todos os dias.

            Após um breve banho, e depois comer, foi realizada a primeira reunião geral, na qual foi passada algumas informações importantes para o primeiro dia de competição. Depois da reunião, como todo dia, voltamos para a bancada para terminar a preparação do avião. Isso feito, algumas horas de sono.

            Na quinta-feira às 4h15 ocorreu a preparação inversa: guardamos todas as ferramentas na caixa, carregamos o caminhão, comemos um pão e fomos para a competição. Isso também se repetiu todos os dias.

            No primeiro dia é feito apenas a exposição das aeronaves e as apresentações orais. Por isso é bem tranquilo e sem muitas emoções. Também é possível analisar os diferentes tipos de projetos e de construções dentro de uma mesma categoria. Além de alguns mais específicos, como a equipe venezuelana, que para transportar seu avião até o Brasil precisou fazê-lo desmontável, assim cabendo em uma caixa razoavelmente pequena.

Local das exposições

Local das exposições

            Na sexta-feira a competição de voos começou de verdade, com a bateria classificatória para a Regular, e as baterias válidas para a Micro.

            Fiquei impressionado com o local, ficamos praticamente dentro do pátio de um aeroporto em operação, e para os aficionados isso é praticamente um sonho. Não me cansei de ver pousos e decolagens o dia todo, e pelo aeroporto possuir hangares de manutenção, alguns testes também ocorreram na pista. Percebi a diferença de operação de sexta-feira e durante o fim de semana; na sexta, basicamente aviões executivos operavam, enquanto que no final de semana aeronaves de instrução e de pequeno porte dominaram o aeroporto.

            Pude ver alguns modelos militares que nunca havia visto pessoalmente, como o Hércules C-130 e seus quatro motores turboélices, e o Super Tucano A-29. Além de vários modelos fabricados pela Embraer, visto que ela possui uma fábrica dento desse aeroporto.




As aeronaves passavam muito perto da competição



Super Tucano A-29

Hércules C-130

            Os voos do Aerodesign ocorreram na pista de taxi, entre os pousos e decolagens das aeronaves “reais”.

            Um voo validado é composto por uma decolagem dentro do limite (61m), e um pouso com todas as partes que decolaram e sem nenhuma quebra.

            Para validar a partição para as baterias de competição, as equipes da classe Regular deveriam decolar e pousar com uma carga mínima de 4Kg. Para isso tinha três chances. Nesse momento começamos a ver muitos carrinhos, ou seja, aviões que não voavam. E alguns que decolavam já caiam antes de completar o pouso. Nessa etapa 20 equipes, de 59, já foram eliminadas.

            Pior ainda foi na classe micro, nenhuma equipe completou o voo da primeira bateria, todos ficaram pelo caminho, seja não decolando, caindo no voo ou caindo no pouso.

            Cada equipe pode levar o seu piloto, e o mesmo piloto também pode pilotar para várias equipes, além disso, aquelas que não possuem piloto próprio, passam a responsabilidade para o piloto cedido pela organização.

            No sábado é que realmente começa a competição, pois cada equipe leva mais carga que o mínimo para validação, o que esforça mais as aeronaves, ou seja, muitos viram carrinho, e muitos lenharam também.

            Um ponto muito importante que observei foi a quantidade de voos invalidados por causa de bequilha quebrada, inúmeras quebraram. Os trens de pouso geralmente não possuem amortecimento, e por isso todo o impacto é transmitido para as fixações, talvez seja esse o grande motivo das quebras.





            Se sábado foi bom, a única definição para domingo é espetacular, o último dia de competição é o seu auge. É o momento do “vai ou lenha”.

            Como em toda a competição, o dia amanheceu aberto, foi fechando durante a tarde, e em seu fim virou muito vento e um pouco de chuva. Caso você pense que isso é ruim se enganou, a umidade relativa do ar é realmente péssima, mas o vento... Esse é desejado por todos os integrantes, pois assim o avião já possui velocidade em relação ao vento mesmo parado.


O evento foi realizado em hangares da pista

A tela entre a pista e os participantes aumentou a segurança

Fila para voar

A chuva não deu trégua

Muita água caiu

E todos focados em proteger o importante

            Resumindo, a melhor condição para se voar é: ar seco e vento alinhado com a pista. Nestes dois quesitos, quanto mais, melhor. Em condições ideais, o avião é capaz de decolar com até 110% do seu peso máximo de decolagem (MTOW).

            E no domingo, haja coração meu amigo. Para o aeromodelismo é uma coisa inimaginável: um avião de 2,5m de envergadura, com um motor .61 glow, que pesa 2Kg vazio levar 12Kg DE CARGA, ou seja, decola pesando 14Kg. Eu pensava que isso era impossível antes de conhecer o Aerodesign, esse pessoal projeta muito.

            Apesar de trágicas, as lenhas estiveram presentes durante todo o domingo. Algumas bobas, quase que por erro de pilotagem; e outras totalmente inesperadas e que podem nos dar muitas lições de pilotagem. Aqui estão as que mais me chamaram a atenção:

            - Segundo antes de tocar o solo, estando a 5 metros do chão, o avião recebe uma forte rajada [de vento] de cauda; o que desliga instantaneamente sua sustentação e o faz despencar para o chão sem chance de reação do piloto;

            - Um avião com a asa bem flexível, muito parecida com um planador de alto desempenho; flexível a ponto de possuir anedro (diedro negativo) quando em solo e diedro de quase 30º quando em voo. Realmente maravilhoso; muito bem projetado e construído. Ele estava quase para tocar o solo, quando um vento de través (ou um estol) o fez rolar e bater com uma das asas na pista. Isso levou a asa que já estava no limite estrutural ao colapso, terminando na lenha do avião;

            - Alguns metros antes de chegar na pista, estando a dez metros do solo, a ponta de asa do avião quebra, o que ocasiona um meio roll e posterior choque com a pista. A quebra foi ocasionada por uma pane estrutural, que levou ao flutter, e posterior colapso da estrutura da asa.

            - O último e mais impressionante foi um estol que também ocorreu momentos antes de tocar o solo. Foi um movimento tão rápido que o avião deu uma volta e meia no ar – em um movimento parecido com um snap chato – antes de tocar o chão.


            Analisando todas as quedas, pude concluir que o vento é uma das grandes causas, mas considero que isso deve ser ponderando antes de somente admitido pelo aeromodelismo. Os avião que voavam lá estavam no seu limite estrutural e de aerodinâmica, ou seja, qualquer coisa que saísse do esperado levaria à queda; o que é muito diferente dos nossos aeromodelos, que voam com imensa folga de sustentação e de potencia, além da baixíssima carga alar. O vento foi feito pra ser enfrentado, pois é constante em nossas vidas. Leia mais dicas para voar com vento aqui.

            Da mesma maneira que muitas lenhas ocorreram, muitos voos espetaculares também aconteceram, aquele que não sabemos se cai no próximo segundo ou se continua voando, realmente de tirar o fôlego.

            Outro ponto importante a se considerar é a durabilidade dos aviões, por trabalharem no limite do projeto, duram somente alguns voo, quando não caem antes. E não anos a fio como nossos aeromodelos. E não precisaria ser diferente, visto que são aviões de competição, estão lá para serem campeões e depois se aposentarem. Cada equipe leva de dois a três aviões para a competição, geralmente.

            E transporte é algo muito complicado para as equipes que vêm de longe, ou seja, precisam vir de avião. Pois o limite do tamanho da bagagem leva a projetos compactos e desmontáveis, como o da equipe venezuelana.

            Depois de quatro dias de competição as seguintes equipes se sagraram campeãs:

Classe Micro – Trem Ki Voa Micro (UFSJ)
Classe Regular – Urubus (UNICAMP)
Classe Advanced – Car-Kará Aerodesign (UFRN)

            Essas equipes ganharam - além de troféus, vagas de estágio e brindes – a oportunidade de representar o Brasil no SAE Aerodesign East, competição que ocorre nos Estados Unidos no ano que vem.

            Parabéns a todos os campeões, essa vitória é o resultado de todo o trabalho que vocês tiveram durante o ano.


Clube de campo da Embraer, local do jantar de encerramento



            Ufa, pensei que esse texto não fosse acabar mais, ficou bem longo, pois eu quis passar cada detalhe e cada emoção para vocês, apesar de isso não ser possível somente com palavras. Espero que tenham gostado dessa nova abordagem sobre o Aerodesign.


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            Deixem seus comentários e dúvidas aqui em baixo. Se fosse é um participante, nos conte como foi a competição para você.



1 comentários:

  1. Sucintamente, como você definiria a diferença entre aeromodelismo e Aerodesign? O primeiro para aviões de exibição e o segundo como aviões de carga, com a finalidade de competição entre os alunos de engenharia?

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